A 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em recente decisão, fixou entendimento de que o vale-transporte incidirá sob a contribuição previdenciária quando o empregador não descontar do salário o percentual de 6% estabelecido pelo artigo 4°¹, parágrafo único, da Lei 7.418/85.
A decisão do Carf
Segundo a turma julgadora, quando o empregador deixa de descontar o percentual mínimo de 6% do salário básico do empregado, o vale-transporte perde a natureza de benefício e revela-se como salário indireto, sujeitando-se, portanto, à incidência de contribuição previdenciária.
De igual modo ocorre quando o empregador opta por descontar uma porcentagem inferior a 6% do salário do empregado. Consoante o entendimento do Carf, a legislação é clara ao estabelecer que o empregador deve arcar somente com o valor que exceder os 6% do salário do trabalhador, sendo obrigatório o desconto dessa parcela.
Conflito com a legislação trabalhista
A nova interpretação contraria a própria legislação que regulamenta o vale-transporte, a qual expressamente dispõe em seu artigo 2º, que o vale-transporte “não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos” (alínea a) e “não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço” (alínea b). De igual forma, o art. 458, § 2º, III², da CLT, exclui do “salário” a utilidade concedida pelo empregador para o transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público.
Aliás, a própria jurisprudência do CARF, consolidada na Súmula 89³, afirma que “não há incidência de contribuição previdenciária sobre o vale-transporte pago em pecúnia, considerando o caráter indenizatório da verba”. A decisão recente da 2ª Turma, ao desconsiderar esse entendimento, gera insegurança jurídica e afronta a uniformização já existente no âmbito do próprio Conselho.
Conclusão
A decisão da 2ª Turma da Câmara Superior do CARF representa uma interpretação restritiva e formalista, que desconsidera a literalidade e o intuito da Lei 7.418/85 e da CLT. O vale-transporte, independentemente do desconto dos 6%, não possui natureza salarial e não pode ser incluído na base de cálculo da contribuição previdenciária, sob pena de violação à legislação vigente e aos precedentes consolidados.
O rigor excessivo na análise da forma de concessão do vale-transporte, em detrimento de sua finalidade social e legal, compromete a segurança jurídica e a efetividade das normas trabalhistas e previdenciárias e pode levar a um aumento indevido da carga tributária, além de incentivar autuações fiscais baseadas em formalidades administrativas que não alteram a essência do benefício.
Diante dessas possíveis consequências, é fundamental que o empregador procure orientação jurídica especializada para compreender os impactos legais e evitar autuações ou passivos trabalhistas e fiscais futuros.
¹Artigo 4° parágrafo único, da Lei 7.418/85: O empregador participará dos gastos de deslocamento do trabalhador com a ajuda de custo equivalente à parcela que exceder a 6% (seis por cento) de seu salário básico.
²Artigo 458, § 2º, III, da CLT: Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;
³Súmula 89 CARF: A contribuição social previdenciária não incide sobre valores pagos a título de vale-transporte, mesmo que em pecúnia.