A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.989.291/SP, em 07/11/2023, decidiu pela validade de cláusula que determinava um teto limite de responsabilidade para a obrigação de compensação por danos.

Entenda o caso

A empresa Hewlett-Packard Brasil LTDA (HP) interpôs Recurso Especial¹ contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que julgou procedente o pedido de reparação de danos requerido pela empresa de informática RC Sistemas LTDA, por conta de abusos cometidos por parte da HP, que realizou alterações contratuais que prejudicaram a RC. 

A relação contratual se dava da seguinte maneira: A RC, por meio de uma linha de crédito oferecida pela HP, adquiria os equipamentos de informática da linha multinacional, selecionando os mais adequados para as empresas que compunham sua cartela de clientes, e os revendia, acompanhados do desenvolvimento de projetos técnicos, a preços com desconto. Essa relação evoluiu para uma natureza de representação comercial, com a HP passando a faturar diretamente os valores para o cliente final e repassando uma comissão ao distribuidor contratado, que se afastava dos valores estipulados no contrato.

O Tribunal de São Paulo, em Recurso de Apelação, reconheceu que a HP, uma multinacional renomada no setor de tecnologia, teria se aproveitado de sua superioridade técnica e econômica para alterar, de forma unilateral e sucessiva, os termos firmados inicialmente em contrato, com o único objetivo de elevar seus ganhos de maneira arbitrária, causando danos excessivos à RC e resultando em rescisão indireta ou forçada. 

Desta forma, o Tribunal estadual, condenou a HP a pagar indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes, afastando a cláusula penal de responsabilidade, a qual limitava a compensação por danos em até US$ 1.000,000,00, sob o fundamento de infração à ordem econômica, nos termos do art. 36, III e IV da Lei 12.529/11⁴.

Nas razões do recurso, a HP defendeu a validade da cláusula limitativa de responsabilidade, posto que “o reconhecimento da infração à ordem econômica (aumento arbitrário de lucros e exercício abusivo de posição dominante) garante o direito de reivindicar perdas e danos, mas não tem o condão de afastar a cláusula limitativa da extensão indenizatória, livremente pactuada e decorrente do exercício de autonomia da vontade das partes”. 

Do julgamento pelo STJ

O Ministro Moura Ribeiro, que proferiu o voto vencedor, entendeu que a mera aceitação do domínio econômico e técnico da HP, juntamente com a suposta fragilidade da distribuidora, evidenciada nas diversas modificações contratuais, não é suficiente para invalidar a cláusula limitativa de responsabilidade.

Isso porque, de acordo com o artigo 416, parágrafo único do Código Civil, mesmo que o prejuízo ultrapasse o valor previsto na cláusula penal, o credor não pode exigir uma indenização adicional se não houver previsão neste sentido. Caso a indenização adicional tenha sido acordada, cabe ao credor comprovar o prejuízo excedente. 

Segundo o Ministro, mesmo que as ações da HP tenham sido contrárias à ordem econômica, a RC é uma das empresas mais robustas e respeitadas no cenário comercial brasileiro, no setor de informática, razão pela qual, não pode ser considerada vulnerável na relação contratual, capaz de afastar a aplicação da cláusula limitativa de responsabilidade.

Ainda, no entendimento da 3ª Turma, quando acordada cláusula limitativa quanto aos possíveis prejuízos decorrentes da relação comercial, o credor não pode simplesmente ignorá-la e buscar do devedor o ressarcimento total dos danos, a menos que haja evidente má-fé (dolo) ou se o contrato permitir a cobrança de prejuízos que ultrapassem o valor estipulado.

Assim, por três votos a favor e dois contrários, a 3ª Turma do STJ julgou pela validade da cláusula limitativa de responsabilidade, considerando a mútua capacidade técnica e econômica das empresas, bem como a expressa vontade das partes, restabelecendo a sentença de primeiro grau que observou a aplicação da cláusula limitativa de responsabilidade.

Das restrições às cláusulas limitativas de responsabilidade

No julgamento pelo STJ, o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, nas razões de seu voto, embora vencido, ressaltou que as cláusulas limitativas de responsabilidade devem respeitar certos fundamentos, segundo a doutrina de Arnold Wald⁵: 

“I) bilateralidade de consentimento – a declaração unilateral é considerada inteiramente inválida; 

(II) igualdade de posição das partes – vedada está, como dito, sua inclusão em relações de consumo; 

(III) inexistência de exoneração do agente em caso de dolo ou culpa grave – não se admite cláusula de exoneração de responsabilidade em matéria delitual; e 

(IV) ausência de isenção do contratante pelo pagamento de indenização relativa ao inadimplemento de obrigação principal – a cláusula de não indenizar não pode ser estipulada para afastar ou transferir obrigações essenciais do contratante”.

Ainda, argumentou que as cláusulas limitativas de responsabilidade também podem ser consideradas nulas nos casos em que i) contrariam uma norma de ordem pública, ii) resultam na limitação de responsabilidade proveniente de comportamento doloso ou gravemente culposo, iii) isentam da obrigação de indenizar o descumprimento da obrigação principal e/ou iv) prejudicam a vida ou a integridade física de pessoas.

Assim, considerando que no caso em discussão houve “quebra do equilíbrio contratual, causada pelo aumento excessivo da dependência econômica ao longo da relação”, entendeu o relator pelo afastamento da cláusula limitativa de responsabilidade.  

Conclusão

Pela análise do acórdão e votos proferidos, o entendimento majoritário foi pela validade da cláusula limitativa de responsabilidade pelos danos causados, vez que, embora tenha havido infração à ordem econômica, a empresa RC não foi considerada como parte vulnerável ou hipossuficiente na relação, capaz de impedir a compreensão da cláusula penal. 

Nesse sentido, prevaleceu o entendimento de que não é inexigível indenização suplementar, posto que não pactuada, na forma prevista no artigo 416, § único do Código Civil, devendo ser observados os limites impostos pela cláusula penal, em respeito à expressa vontade das partes. 

Todavia, é importante destacar que a cláusula limitativa de responsabilidade não é absoluta e pode ser invalidada quando não observados os requisitos de validade do negócio jurídico (capacidade, objeto e forma), bem como em caso de dolo, pelo devedor, na fixação da cláusula penal (artigo 408 do Código Civil).

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Consulte a íntegra do acórdão aqui

¹ STJ – TERCEIRA TURMA – RECURSO ESPECIAL Nº 1.989.291 – SP (2022/0062883-6), Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento: 07/11/2023, Data de Publicação: DJe 23/11/2023). 

² Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

³ Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

⁴ Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

[…]

III – aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

⁵ WALD, Arnold. A cláusula de limitação de responsabilidade no direito brasileiro. In: Revista de Direito Civil Contemporâneo: RDCC, São Paulo, v. 2, n. 4, jul./set. 2015, pág.137.

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